Não dá mais para dizer que isso é só humor, então agora será: sem imaginação, ironia e criatividade, eu nada seria.
Há muitos anos atrás, em algum momento da história da dança do ventre, as odaliscas já não sabiam mais o que fazer para atrair a atenção do público. Elas já tinham inventado dança com cobras, dança com macaco, dança com leque e até com um relógio cuco! Mas nada atraia a atenção das pessoas sobre elas.
Um belo dia de verão, uma das odaliscas de um famoso harém, chamada Sumaya, resolveu inovar: com papel machê e um pouco de magia, criou uma máscara. Depois a enfeitou com lantejoulas e fitinhas coloridas e, quando estava seca e pronta, resolveu dançar com ela na sua apresentação à noite.
Foi um sucesso tão gigantesco que todas as outras odaliscas daquele harém correram para copiar. Como a máscara era feita manualmente, cada uma acabou criando máscaras de cores variadas, mas, logo, elas perceberam que nenhuma máscara fazia tanto sucesso como a de Sumaya e assim constataram que só podia ser por causa da magia.
Passaram, então, a encomendar máscaras a Sumaya. O resultado foi que a odalisca acabou abandonando a dança e abrindo um ateliê para fabricação das benditas. Dava bem mais dinheiro!
O segredo de sua magia não foi revelado a ninguém, a não ser para suas aprendizes – todas mudas de nascença.
O sucesso das máscaras espalhou-se por toda a região e o colorido das novas criações dominou o mundo. Dançar de máscaras passou a ser o “must”.
Com o passar do tempo, tamanho sucesso que eram as apresentações com máscaras, as bailarinas já não as tiravam mais. Usavam-nas dentro de casa, nas suas atividades cotidianas, nos encontros sociais e só se livravam mesmo pra ir dormir.
O costume da produção das máscaras passou de geração a geração até chegar aos dias atuais. Lógico que as máscaras se diversificaram – deixaram de ser tão artesanalmente elaboradas e passaram a ter novas ferramentas tecnológicas como, por exemplo, chip implantado para rastreamento à distância, filmadora inserida e blu-ray. Qualquer bailarina, para ser aceita em seu meio, deveria usar uma dessas, de preferência, de última geração.
O que as bailarinas não contavam é com um acontecimento chocante: durante algumas apresentações, as máscaras começaram a se partir. Ninguém sabe, nem viu como começou a epidemia, mas todos sabem que ela aconteceu pelos quatro cantos do planeta. Todas as máscaras disponíveis se quebraram!
Desesperadas, algumas bailarinas perdiam completamente a compostura, pois já não sabiam viver sem o objeto. Já não acertavam nem dançar e pareciam atormentadas e, à medida que ficavam cada vez mais desesperadas, seus rostos tornavam-se transfigurados. Outras perceberam que dançar sem máscaras até era mais confortável. Outras nem perceberam que suas máscaras haviam caído…
Uma detetive foi chamada para investigar a causa e, após meses de pesquisa concluiu que a queda e quebra das máscaras estava diretamente relacionada à magia original pela qual estas eram fabricadas.
No início teve grande dificuldade em tirar a verdade das artesãs, já que todas eram mudas, mas, lendo os antigos escritos, descobriu o seguinte registro escrito pelas mãos da Sumaya: “as máscaras partirão no dia em que uma bailarina levantar falso testemunho e/ou denegrir a imagem de uma colega; todas as máscaras cairão no dia em que uma bailarina espalhar fofocas sobre outras bailarinas; todas as máscaras serão desmanchadas automaticamente depois que uma usuária fingir tratar bem uma colega apenas por interesse. Todas as máscaras – indiscriminadamente, padecerão diante do orgulho, do fingimento, do excesso de vaidade e da inveja. E, a partir de então, todas as bailarinas serão obrigadas a se apresentarem com seus rostos conforme vieram ao mundo. Algumas serão bonitas, outras normais, outras feias porque assim já o eram, mas ninguém sabia. Mas aquelas responsáveis pelos acontecimentos que culminaram na quebra das máscaras estarão condenadas a, todo sempre, a viver desfiguradas fisicamente – seus rostos já não serão nem belos, nem feios – serão um amontoado de crecas feitas de lodo e limo – e sua dança já não será encantadora, mas seu público talvez ainda a siga, afinal de contas, a cegueira dele é opção de cada um”.
Essa foi forte, flor.
Foi. Saiu das minhas entranhas! Grrrrrrrrrrrrrrrr!
Adorei o conto Lory!
Muito bom!!
Obrigada pelo texto, Lory. As máscaras caem – ainda bem – pena que até lá muito estrago já foi feito.
Por conta dessa e de outras talvez seja melhor riscar da agenda tais Bailes de Máscaras. Uma cara limpa não merece isso, definitivamente.
Beijão!
virgi ….
bjs